Uma carta secreta, a explicação que nunca te dei... Mulheres autistas asperger's existem, e algumas como eu, são as que mais magoam.


Há muitos anos, em outra dimensão, em um dos mundos paralelos que tive a oportunidade de viver, conheci muita gente diferente e especial.

Agora, olhando para trás, percebo que sempre fui observadora. Observei você, tentei te aprender, tentei entender tuas diferenças. Encontrei pessoas únicas, e nestas eu me fixava mais tempo, queria absorver cada um.

Você foi especial, eu sempre fui diferente, mas nunca indiferente.


Certo dia, depois de constatar o óbvio, descobri que neurologicamente vejo o mundo com outros olhos. Nasci com uma genética que apresenta um conjunto de características peculiares que a sociedade científica insiste em chamar de autismo.
Autismo por ser auto, dentro de si. Mas acredite eu não olho para mim, alias, evito e nem tenho tempo. Minha mente curiosa não para de fazer sinapses e o mundo lá fora e muito interessante.

Aprendi a ler sozinha, a contar e escrever.... ainda com menos de 5 anos. Não, não era uma superdotação, não era um Savant, era meu cérebro pedindo mais informação de fora, eu estava hiperlexica.

Era ambidestra, não...isso não é uma habilidade especial, é uma lateralidade confusa que meu cérebro expressava.

Não entendia o que não fosse explicitamente obvio, e ainda hoje me custa entender, sou 100% literal. Demoro para entender uma piada. Sofri com convulsões...

Não tenho retardo mental, na verdade tenho um QI acima da media. Não, isso não me fez melhor aluna. Pelo menos não para os professores institucionais.
Aprendo por interesse, por observação.

Sou grossa, fria e pragmática, para os padrões sócio morais de muitos. Porque não reajo como esperam, sou incapaz de mentir, mesmo que para agradar. E me custa entender quem o faz. Não, isso não é uma vantagem. A ausência de filtros já me causou muitas desavenças e, por vezes ainda motiva muitas tristezas. Alem da frustração óbvia de quem se sente agredido com minhas palavras e atitudes.

Rápido aprendi a tentar me conter. Domínio próprio é minha luta diária para poder ser socialmente aceite, ou pelo menos não magoar tanto aos que me querem bem.

Sempre fui a menina isolada da escola, aquela esquisita ora quieta ora falava demasiado sobre um único assunto. Não percebia quando alguém estava entediado com minha maravilhosa e profunda explanação sobre determinado tema. (Super focada e sem teoria da mente.)
A mal educada que não sabia quando era a vez de falar.
Muitas vezes queriam me bater na escola, graças ao meu péssimo costume de fixar o olhar nas pessoas. Podia ficar horas olhando, avaliando, aprendendo. Na verdade, ainda faço, é como se por momentos eu fizesse parte do mundo daquela pessoa.

Abraços são para poucos, muito poucos, e beijinhos para cumprimentar me constrangem. Sou formal.

Tive sempre 1 amigo por vez, e sempre pessoas interessantes como você. Posso contar com os dedos das mãos quantas amizades me permiti viver, e você é um desses dedinhos.

... por mais que eu não tenha sido clara o suficiente para te fazer sentir o apreço que te tive, acredite, você foi amado. E mesmo sem saber, mesmo estando em um dos mundos paralelos que vivi, você ajudou a construir o mundo que vivo e a pessoa que sou hoje.

A tua "desventura" foi invadir o portal, transpassou o stargate, alterou a rotina de um autista. Desculpa, você desencadeou uma crise. A rotina é preciosa para meu equilíbrio.
Por isso... desde aqui de dentro, do meu auto inverso universo, obrigada e desculpa, eu sei que te magoei.

Continuamos tendo "sonhos iguais, mas esperanças diferentes".

A você, meus sinceros e literais votos de felicidades na sua jornada.

"Logic is the beginning of wisdom, not the end." Spock

Com todo carinho e respeito,

Stephanie de Matos, a Mãe de Famìlia
 The Crowned

Creditos Musica SouthCry Daltri Barros



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